Cerca de quatro milhões de carneiros foram abatidos em Agosto de 2018 em Marrocos na festa em comemoração ao sacrifício que Abraão fez em agradecimento a Deus, por ter poupado a vida do seu filho. A festividade está tão arraigada no país que muitas famílias pobres endividam-se para matar o seu carneiro, mesmo que tenham de pedir dinheiro a crédito, o que é proibido pelo Islão (*).
A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola já remeteu ao Tribunal Supremo o processo-crime em que é o antigo ministro das Obras Públicas, general Higino Carneiro. Ao que parece, o antigo governador de várias províncias, ministro e alto dirigente do MPLA, avisou o seu novo querido líder (João Lourenço) que ainda não revelou o que ameaçara revelar, explicando que – contudo – poderá revelar se a revelação for oportuna para revelar o que os outros não querem que revele.
Higino Carneiro, que foi constituído arguido, foi ouvido em interrogatório por gestão danosa de bens públicos, no período entre 2016 e 2017, enquanto governador da província de Luanda.
Além de peculato, o deputado está indiciado da prática de violação de normas de execução do plano e orçamento e abuso de poder, de associação criminosa e corrupção passiva e branqueamento de capitais, tendo-lhe sido aplicada como medidas de coacção o termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e a interdição de saída do país, sem prejuízo de continuar a desempenhar as funções de deputado à Assembleia Nacional.
Higino Carneiro tem razão. O segredo de justiça (alguém sabe o que isso é?) era fundamental. Isto porque as revelações sobre, por exemplo, as eleições compradas pelo MPLA e “ganhas” por João Lourenço, eram apenas para consumo interno (PGR e Presidente da República) e não para serem tornadas públicas. Não eram, mas eram.
Um “exemplar” governador do MPLA
O então novo governador da província de Luanda reafirmou no dia 14 de Janeiro de 2016, aos membros do seu pelouro, que a segurança e a limpeza da cidade seriam as prioridades da missão que então assumiu, avisando que o poder não estava “na rua”.
Higino Carneiro foi então apresentando pelo ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa (hoje vice-presidente da República) e colega no mesmo Governo do ministro João Lourenço, numa cerimónia que contou com todos os membros do Governo Provincial de Luanda.
Segundo Higino Carneiro, o seu programa para a capital visava “dar a volta por cima” às dificuldades que Luanda apresentava e fazer com que “nos próximos tempos” houvesse “alguma satisfação dos cidadãos”.
“Sentimos queixumes todos os dias, nos mais variados domínios, e para falarmos deles, temos que os conhecer, saber por que razão eles existem, por que é que as pessoas reclamam, o que é que falta de nós”, disse o general e dirigente (como não poderia deixar de ser) do MPLA, Higino Carneiro.
“Vamos, com alguma pedagogia, intervir, falando com as pessoas, mas o que é certo é que não podemos deixar as coisas andarem de maneira que o poder esteja de facto na rua. Esta é uma preocupação que não é só minha é de todos, é do Presidente da República”, disse o governador de Luanda.
Os méritos do general Higino Carneiro eram então reconhecidos por muitos, sobretudo – e é isso que conta – pelas três figuras principais do país. A saber, o Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos), o Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) e o Presidente da República (José Eduardo dos Santos).
No final de 2018 os instrutores da DNIAP, adstrita à Procuradoria-Geral da República, viram-se forçados a interromper as investigações à volta de irregularidades ocorridas no Governo Provincial de Luanda (GPL), ao tempo da gestão do general Francisco Higino Lopes Carneiro.
Segundo se apurou, os investigadores da DNIAP, assim procederam depois de terem realizado um rastreio das contas do GPL, em que terão dado conta de fundos que entraram para contas (como sempre aconteceu desde 1975) controladas pelo Comité Provincial do MPLA de Luanda, e por sua vez, usados para a campanha eleitoral deste mesmo partido, para pagamento dos seus fiscais eleitorais.
Diante desta “descoberta”, os magistrados sentiram-se de mãos atadas, sem ter outra opção que não fosse interromper as investigações para poderem realizar consultas junto dos seus superiores hierárquicos, e estes por sua vez pontualizarem o Presidente da República, a quem o Procurador-Geral da República, responde e depende estatutariamente.
A interrupção à volta desta investigação levou a PGR a recuar na diligência que previa a detenção de duas funcionárias do GPL, Ilda Maria Jamba e Bernadeth Guimarães Teixeira Dalva Rodrigues, tidas como cúmplices de Higino Carneiro.
Ambas chegaram a ser convocadas para se apresentarem na PGR, sabendo-se que seriam decretas as suas prisões preventivas. As investigações às contas do GPL começaram das bases e previam chegar ao topo. Previam.
O general Higino Carneiro nunca foi formalmente ouvido devido às imunidades parlamentares, mas toda a investigação recai à sua volta por ser ele quem homologava as transgressões que envolvem as duas senhoras que eram suas subordinadas.
Higino Carneiro, que inicialmente estava a socorrer-se junto do antigo Presidente José Eduardo dos Santos para saber como se deveria posicionar, revela-se agora mais confiante, havendo informações de que terá enviado recados manifestando a sua disponibilidade para eventual esclarecimento, caso seja esta a vontade das autoridades judiciais.
A sua “disponibilidade” é agora acompanhada de rumores segundo as quais o mesmo não vê problemas em explicar às autoridades judiciais ou ao Tribunal Supremo de que durante a campanha eleitoral, o mesmo na sua então qualidade de primeiro secretário provincial do MPLA, despachava os assuntos correntes do partido com o antigo vice-Presidente do MPLA, João Lourenço, e não com José Eduardo dos Santos que estava fora da campanha eleitoral.
A DNIAP não se pronunciou publicamente sobre estas informações que dão conta que os seus investigadores interromperam os trabalhos por se confrontarem com dinheiros desviados do GPL, usados para a campanha eleitoral do MPLA.
Um general que amarrou dois presidentes
Estávamos em Julho de 2017. O Governador da Província de Luanda, general Higino Carneiro, garantia que os munícipes da capital iam beneficiar de novas infra-estruturas públicas para melhorar a circulação de pessoas e bens.
Quando pediram explicações ao então ministro, general Higino Carneiro, sobre o facto de, em 2007, o seu ministério das Obras Públicas não ter justificado despesas de cerca de 30 mil milhões de Kwanzas, equivalentes a mais de 115 milhões de dólares, ele disse “que não tinha tempo para dar justificações”.
Então senhores doutores e generais da PGR, ainda não tiveram luz verde do Presidente João Lourenço para prender Higino Carneiro? Ou será que, se necessário, ele vai explicar os seus negócios com o MPLA e com algumas gradas figuras do partido?
A isso acresce o pós-doutoramento de Higino Carneiro em “educação patriótica” (do MPLA), com especialização na arte de mentir e amarrar (curto) os seus correligionários do partido. Sem excepções.
Novembro de 2016. O governador provincial de Luanda, general Higino Carneiro, alegou questões de segurança para proibir a realização de uma manifestação cívica contra a nomeação de Isabel dos Santos, para a direcção da petrolífera estatal Sonangol.
Higino Carneiro tratou, mais uma vez, os promotores e os demais cidadãos, como sendo de segunda categoria ou seres menores, sem nenhuns direitos, logo com o único dever de cumprir uma vontade, uma ordem inconstitucional e ilegal.
Higino Carneiro, é um dos generais mais ricos, fruto certamente do seu esforço militar, empresarial e político. Foi, com certeza, recompensado pelo esforço e dedicação à causa do regime, mesmo sabendo-se que esta causa nunca levou em consideração a tese do primeiro Presidente da República, Agostinho Neto, que dizia que o importante era resolver os problemas do povo.
Sempre foi visto como um “buldózer” que, certo das suas convicções, levava tudo à frente. Esta qualidade foi bem visível como militar, onde não olhava a meios para atingir os seus fins, mas também como ministro das Obras Públicas, governador provincial e empresário.
Em 26 de Junho de 2008, por exemplo, prometeu enquanto ministro das Obras Públicas, construir ou reconstruir cerca de mil e quinhentas (1.500 isso mesmo) pontes de médio e grande porte, assim como reabilitar mais de 12 mil quilómetros da rede nacional de estradas até 2012.
No mundo empresarial teve, ou tem, negócios com parceiros nacionais, portugueses, brasileiros e outros. Dos seus negócios privados fazem ou fizeram parte 12 hotéis dispersos pelo país, grandes fazendas (a Cabuta é uma delas), bancos (Keve e Sol), uma companhia de aviação dispondo de uma frota de 14 aeronaves, Air Services.
A realidade de Angola demonstra que o sucesso nos negócios privados é inseparável, mais uma vez, do poder dos generais.
Há uns anos, não muitos, o general Higino Carneiro apresentou-se na televisão dizendo ter dado início à indústria da madeira, no Cuando Cubango.
Nessa altura os índices de atenção e curiosidade dos mais atentos saltaram para os níveis máximos, pensando tratar-se de uma medida que iria contribuir para a diversificação da economia, tão ansiada e reivindicada por todos, e para a melhoria da qualidade de vida de alguns angolanos a residirem no Cuando Cubango.
Desejámos que se tratasse da abertura de escolas de formação profissional e de fábricas de mobiliário ou de outros equipamentos, onde iriam ser maximizadas as mais-valias da exploração da madeira.
Não. Afinal essa indústria da madeira de Higino Carneiro resumia-se ao funcionamento do serrote no abate de árvores, de madeiras valiosas, para serem comercializadas, sem mais-valias para a economia do país.
(*) Geralmente é o rei, como “emir al muminin” (príncipe dos crentes), que mata o primeiro carneiro numa cerimónia transmitida pela televisão.